Zorro dos fairways
Nos anos 70, os argentinos aprenderam a jogar melhor com aulas em quadrinhos nas páginas do jornal La Nacion. O instrutor-herói era Gary Player, o “cavaleiro negro” do golfe
Durante anos, milhares de argentinos compraram o jornal La Nacion não exatamente para saber dos rumos do país, mas para aprender golfe com o campeão sul-africano Gary Player. Sujeira política e obscurantismo econômico depois; primeiro, necessidades urgentes como curar o slice, aprender transferência de peso e sair da banca sem se comportar feito um bárbaro. Eram as Clases de Golf con Gary Player, publicadas todas as terças, quintas e sábados pelo mais influente jornal argentino. A série Aulas com Gary Player foi um sucesso por fazer algo mais divertido do que colocar fotos ou ilustrações ao lado de textos explicativos: usou de modo inteligente a linguagem dos quadrinhos. Foi a perfeita união de uma paixão adulta com um elemento prazeroso da infância.
As tiras traziam dois personagens: Juan, um jogador de handicap alto, e Gary Player, que após ver o erro cometido pelo parceiro, fazia a correção de modo sucinto. Os desenhos, se não pertenciam a nenhum Will Eisner do golfe, cumpriam muito bem a função didática. O componente lúdico das tiras era um forte elemento memorizador. No mais, os títulos já eram didáticos por si só: “Swing suave y rítmico”, “Practique mucho el juego curto”, “Reduzca la velocidad”, “Piense Positivamente”. Player foi desenhado vestindo roupas pretas; o que era, de fato, seu hábito, a ponto de ganhar o apelido de “Black Knight”. Eram aulinhas rápidas com clima de aventura, e o subtítulo da série bem que poderia ser algo como: “A vinda do destemido cavaleiro negro em socorro do pobre e oprimido pé-duro”. Era Player transformado numa espécie de Zorro dos fairways argentinos.
Essas aulas em quadrinhos simulavam situações reais de jogo, com os dois personagens vivendo dilemas corriqueiros do golfista. Uso um ferro de loft médio ou uma madeirinha para levantar uma bola quase encoberta pela grama? Faço um prudente lay-up ou dou uma tacada heróica (ou idiota) por cima das árvores? Vivo a fugaz ilusão de ser um jogador do PGA e arrisco um full swing num lie ruim com um ferro três ou uso um modesto ferro 8 só para avançar a bola?
Muitos conselhos levam em conta as peculiaridades técnicas e estilísticas de cada jogador. Na tira “Un swing compacto”, Player ensina a Juan que a compactação não nasce do grip demasiado apertado no backswing, mas sim de um downswing com o cotovelo direito rente às costelas. Ao fim, cita o swing de Thonson como um bom exemplo dessa técnica, mas lembra que há Jack Nicklaus, com um swing também eficiente, porém muito mais amplo. Eram aulas libertárias.
Claro que além das qualidades didáticas das tiras, o sucesso das Clases também se deveu ao nome de Gary Player. Quando o La Nacion começou a publicá-las em 1972, o jogador sul-africano já era um dos grandes nomes do golfe. Já havia conquistado dois The Open (1959 e 1968, e ganharia novamente em 1974, completando a façanha de ganhá-los em três diferentes décadas), um Masters (em 1961, e viriam mais dois, em 1974 e 1978), dois USPGA Championship (em 1962 e 1972) e um US Open (em 1965). Na verdade, ele já era um dos “Big Three”, ao lado de Jack Nicklaus e Arnold Palmer, golfistas que dominaram a cena profissional por décadas.
Ao contrário de Palmer, que praticamente nasceu num campo de golfe, e de Nicklaus, que começou a jogar aos 10 anos, Gary Player ganhou seu primeira – e modesta – taqueira aos 15 anos, presente de seu pai, um capataz de minas. Ao ganhar esse presente, foi praticar no campo de Virginia Park, nos arredores de Johannesburgo, e seu talento natural chamou a atenção de Jack Verwey, um profissional local. Verwey foi a grande sorte na vida de Player, pois dele recebeu não apenas treinamento e orientação, mas também o dinheiro que possibilitou sua viagem à Inglaterra para disputar seus primeiros torneios, aos 19 anos.
Porém, o que veio depois foi fruto de sua tenacidade. Fez um programa longo e rigoroso de condicionamento físico para desenvolver suas pernas e ombros; e aliou esse trabalho físico com o aprimoramento constante da técnica e da força mental – tudo para vencer as limitações de sua baixa estatura. O reconhecimento de seu incrível esforço para vencer suas limitações rendeu-lhe outro apelido: “Mr. Determinacion”.
Hoje, aos setenta e dois anos, acumula em seu currículo mais de 160 campeonatos vencidos, incluindo o Grand Slam, e projetos de mais de 200 campos profissionais; e ainda joga no Champions Tour e viaja pelo mundo para divulgar o esporte. Por tudo isso, é também chamado de “O embaixador do golfe”. O La Nacion estava certo: a trajetória e conquistas de Player não deixam de ser coisas de herói.
O colunista é escritor, golfista e editor da revista Golf Life.