Espelho da vida
Em livro repleto de insights, o médico e pensador indiano Deepak Chopra aborda as profundas ligações entre golfe e evolução espiritual, e ensina como enfrentar a mais básica e limitadora das emoções humanas: o medo
Por Marco Frenette
Todas as tradições espirituais dizem a mesma coisa: o ser humano pode ser muito melhor do que aparenta ser, pois tem plenas condições de viver física e espiritualmente ereto. As possibilidades estão dentro dele. Se vencer o medo, ele pode ser iluminado em vez de tão confuso, feliz em vez de tão recalcado, direto em vez de traiçoeiro. As tradições dizem o que Caetano Veloso colocou em versos: gente foi feita para brilhar, para ser espelho de estrelas.
O indiano Deepak Chopra é um dos muitos sábios atuais que trabalham para levar essa verdade da possibilidade de mudança a um número cada vez maior de pessoas. Formado em medicina e filosofia, Chopra já publicou mais de 35 livros, e seus leitores são, basicamente, pessoas desejosas de um tipo de evolução que vá além do acúmulo financeiro. Elas não buscam propriamente o ascetismo em sua forma tradicional, mas a chance de viverem melhor e mais felizes dentro do conforto da vida capitalista e democrática.
Sendo assim, era questão de tempo para que Chopra descobrisse o golfe como mais um meio de divulgar seus conhecimentos terapêuticos para a vida cotidiana. Golfista amador, ele percebeu que esse jogo escancara um fato que ele já havia escrito e analisado incontáveis vezes: somos escravos de nossas emoções e terrores inconscientes. O resultado de sua percepção foi o livro Golfe – Sete Lições para o Jogo da Vida, que a editora Rocco acaba de lançar no Brasil. O prefácio é de Jesper Parnevik, golfista que dispensa maiores apresentações. Ele resume bem a sedução do golfe: “Que outro jogo transforma pessoas aparentemente inteligentes em completos lunáticos em questão de segundos? Nenhum outro esporte nos proporciona um leque de emoções tão perturbador, do puro êxtase à raiva e ao desespero. O golfe é o jogo mais brilhante, inteligente e divertido já inventado”.
A partir dessa premissa comum a todos os apaixonados por esse jogo, Chopra formulou sete lições, nas quais procura explorar a sabedoria que o golfe pode trazer para a vida cotidiana. O livro é dividido em três partes intercaladas. A história condutora é a de um golfista de handicap alto que encontra a maestria do jogo com a ajuda de uma misteriosa professora; após cada capítulo dessa fábula, vem a lição de Chopra aplicada ao golfe e, depois, a mesma lição aplicada à vida. São lições que orientam o leitor a buscar o caminho oriental da não-ação (que, na verdade, é a ação em toda sua fluência) e da superação do ego, ao tempo em que se busca ver a realidade que nos cerca sem o véu ilusório das nossas emoções e preconceitos.
Quem está acostumado a ler novelas de autores como Dickens, García Márquez e Machado de Assis, certamente achará a parte ficcional bem fraca. Afinal, Chopra está longe de dominar todas as técnicas literárias ou ter o talento de um grande romancista. São nas partes ensaísticas e teóricas do livro que o autor revela todo seu brilhantismo, a exemplo deste trecho, que pode ser considerado um dos mais belos resumos já escritos sobre esse jogo:
“O golfe é jogado num Jardim do Éden criado pelo homem. O cenário é belo para revigorar os sentidos; ao entrar em campo, tem-se uma segunda chance no Paraíso. Quando abordamos o jogo a partir do espírito, o jogo não está mais relacionado com a vitória e sim com o crescimento. Por mais que algumas pessoas tenham feito desse jogo a sua religião, elas ainda não encontraram a essência espiritual do golfe, que destina-se a ser uma jornada em direção à maestria. Quando a atingir, a vida se expandirá para bem além de qualquer coisa que agora você possa imaginar. O Jardim do Éden não é um lugar físico, e sim um estado interior. Acho que o golfe nos causa uma enorme dependência porque nos atormenta com a esperança de retornar para onde o espiritual é exaltado”.
No livro há muitos outros insights que fazem a leitura realmente valer a pena: “Quando a pessoa passa a reconhecer o drama emocional que está sendo representado num jogo, não é de causar surpresa que o golfe penetre na alma. A qualquer momento, a vitória pode se transformar em derrota, mas tacadas impossíveis também podem dar certo. O jogo inteiro é como a vida resumida à sua essência, o relâmpago capturado numa garrafa”.
Chopra, logo se vê, apaixonou-se por esse jogo, e usou de todo seu conhecimento teórico e prático das tradições religiosas orientais e ocidentais para revelar no golfe uma profundidade que muitos intuem mas poucos ousam verbalizar ou escrever, com medo de cair no ridículo ao associar um “mero” jogo com os valores mais altos da vida. O estudioso indiano não tem esse medo que nasce da ignorância básica de não perceber que tudo no mundo está interligado: “É preciso existir amor. Os outros podem achar desconcertante uma afirmação dessas, mas é exatamente o que faço: jogo com amor. A entrega floresce onde não há nada a temer, nada a controlar, nada a julgar. O amor é o mestre mais gentil que existe e o único capaz de vencer a resistência da mente”.
O esforço maior de Chopra é encontrar palavras que nos incentivem a vencer o medo, essa emoção básica de todos os tempos e lugares: “Tanto na vida quanto no golfe, mergulhar nas regiões escuras do medo é o caminho direto para encontrar nosso centro. Mergulhe o mais fundo que puder, permaneça na quietude, e execute a ação que tem diante de si”.
Naturalmente, quem pratica golfe há anos sem nunca ter se preocupado em jogar com graça, elegância e sensibilidade, terá dificuldade em ver a ligação entre as coisas mais sensíveis da vida e a necessidade de dar pancadas numa pequena bola branca num fim de semana modorrento. Mas o livro foi escrito especialmente para esse perfil de golfista; é uma obra didática, incluindo até exercícios respirátórios. O interessante é que, em tudo que Chopra diz ou aconselha, há a marca de sua visão ampla e não-fragmentada das coisas: “Para cada estado de espírito existe um estado respiratório, e se você quiser encontrar os níveis mais profundos da mente e do corpo, a sua próxima respiração é um guia muito mais confiável de que o seu próximo pensamento, porque este pode enganá-lo e levá-lo a achar que está tudo bem. No entanto, você não consegue esconder o medo e o mal-estar da sua respiração”.
O tema “medo” permeia o livro não como uma fixação algo mórbida, mas como uma etapa de tomada de consciência e superação absolutamente necessária para uma vida melhor. “Vencido o medo”, diz Chopra, “o golfe nos oferece uma oportunidade de retorno ao Jardim do Éden. O impacto da face do taco contra a bola é a batida no portão do jardim, o sopro de seu vôo é a jornada que fazemos de volta ao nosso começo abençoado, e a queda rodopiante no buraco é, por um brevíssimo tempo, o paraíso recuperado. Posso imaginar outras atividades capazes de contribuir mais para as questões práticas da vida, mas nenhuma que espelhe com tanta perfeição nossos sonhos”.
Para Saber Mais
Golfe – Sete Lições para o Jogo da Vida, de Deepak Chopra; prefácio de Jesper Parnevik. Editora Rocco, 188 págs.
O colunista é escritor, golfista e editor da revista Golf Life.
O ponto de vista dos colunistas não expressa necessariamente a opinião da CBG