Campo dos Sonhos
Quando o arquiteto americano Dan Blankenship trocou os Estados Unidos pelo Brasil, em 1994, sua especialidade – projetar campos de golfe – era quase urna atividade esotérica. Golfe, conforme a imagem propalada por incontáveis filmes era coisa de americano de caricatura: taco à mão, charuto na boca, calça em variações berrantes de xadrez e negócios milionários jorrando entre urna jogada e outra. Aqui, somente 3 700 pessoas se arriscavam no esporte elitizadíssino. Desde então não se pode dizer exatamente que o golfe virou esporte popular, mas o número de praticantes tem aumentando sem parar – calcula-se que está em torno de 25 000. A quantidade de campos – e aqui voltamos a Blankenship – acompanha o crescimento: são hoje 105, concentrados principalmente nos estados de São Paulo (46) e Paraná (treze) e outros 35 estão em fase de construção. “Cheguei na hora certa. Percebi que o Brasil era um mercado com grande potencial de crescimento e resolvi ficar”, diz o arquiteto de 44 anos que assina o projeto de nove campos de golfe no Brasil dois deles ainda em obras.
No topo de seu portfólio, reunindo qualidades raras pela beleza deslumbrante da paisagem e pelo capricho na realização, está o campo que faz parte de um complexo turístico na região de Trancoso, na Bahia inaugurado em maio do ano passado, o campo de mais de 9 milhões de reais foi construído numa área de 700 000 metros quadrados – 200 000 a mais que o típico campo oficial de dezoito buracos. Até golfistas calejados, acostumados aos encantos de campos em vários continentes, se des mancham em elogios. Nos primeiros nove buracos, os jogadores têm por moldura árvores e animais da Mata Atlântica. Na segunda e última volta, fincada sobre falésias, o campo dá vista para o mar – é difícil que o jogador não se desconcentre pelo menos por alguns segundos na altura do buraco 14. bem na ponta do penhasco. “Já joguei em mais de 500 campos e nunca vi nada tão bonito”, disse recentemente o jornalista americano Alex Shoumatoff, colaborador da revista Vanity Fair e golfista fanático. “Tive toda a liberdade para criar. E o projeto mais fascinante da minha carreira”, diz Blankenship que, de tão entusiasmado, fixou residência em Trancoso. “Quando não estou trabalhando, jogo.”
Um sinal de que o golfe está se tornando atividade de prestígio fora do universo exclusivo dos campos particulares é que o putting green – a área onde se treina a tacada antes enfrentar o campo propriamente – virou atrativo de empreendimentos imobiliários de alto padrão. “Esse é o novo apelo de venda para apartamentos a partir de 800 000 reais em São Paulo”, diz Romeu Busarello, diretor de marketing da construtora Tecnisa, que prepara o lançamento de seu primeiro prédio com espaço para golfe e planeja outros dois para 2006. Condomínios de luxo, que antes alardeavam lagos para andar de lancha e jet ski ou cavalariças para os fãs de esportes hípicos, agora conquistam clientes oferecendo campos de golfe: quase todos os terrenos (cerca de 400 000 reais cada um) de um empreendimento em Vinhedo, a 80 quilômetros de São Paulo. já foram vendidos. Projetado por Brian Costello, outro arquiteto americano, só o campo vai custar quase 10 milhões de reais. No comentado condomínio que o carrasco de aprendizes Donald Trump se prepara para lançar em Itatiba, no interior de São Paulo, aproximadamente 30 milhões de dólares serão aplicados na infra-estrutura relacionada ao campo de golfe.
“Estima-se que o segmento já movimente no Brasil cerca de 500 milhões de reais por ano”, diz o publicitário Álvaro Almeida, presidente da Confederação Brasileira de Golfe (CBG). Diretor comercial da revista Caras, muito bem relacionado, Almeida é apontado como o grande responsável pelo aumento da divulgação do esporte no país, desde que, há cinco anos, pôs em prática a estratégia de convidar celebridades para dar tacadas, ainda que canhestras, em torneios, Ronaldo e o piloto Rubens Barrichello são exemplos que acabaram fisgados. Barrichello joga duas vezes por semana, religiosamente, inclusive durante a temporada de automobilismo. “Quando parar de correr, quero ser um bom golfista amador”, diz o piloto, que ostenta handicap 13 – o que, para quem não sabe (e quem sabe?), é muito bom. Pelo sistema de pontuação usado para equilibrar praticantes de diferentes níveis, ao fim do jogo nove academias ao fim do jogo (cujo de golfe em objetivo, diga-se, é São Paulo fazer todos os buracos com o menor número possível de tacadas), cada jogador abate do total de tacadas que deu o seu handicap. Iniciantes partem do handicap 40 e vão baixando conforme se aprimoram.
Esporte dispendioso, que exige equipamento caro e acesso a clubes restritos, o golfe deu um pequeno passo rumo à democratização com a inauguração, em 2000. do primeiro campo público de São Paulo, o FPG Golf Center. Lá o jogador não precisa ficar sócio nem pagar mensalidade – uma taxa de no máximo 45reais dá acesso às instalações. A título de comparação, associar-se ao São Paulo Golf Club, o mais tradicional clube do gênero da cidade, requer o desembolso de mais de 120 000 reais pelo título e 750 reais de mensalidade. Além do campo de nove buracos, o FP Golf Center, freqüentado por 2 500 pessoas por mês, foi pioneiro em oferecer aulas ao público em geral. Criança aprende de graça, e adultos pagam 50 reais por meia hora. Foi Iá que o empresário Adriano Facchini, tenista aposentado compulsoriamente por motivo de saúde, começou no esporte, há cinco anos. “O golfe é menos agressivo. Antes de conhecer, eu dizia que era jogo de velho. Agora, adoro”, conta Facchini, que treina duas vezes por semana – sábados e domingos não, “a pedido de minha mulher”, a atriz Luiza Tomé – no driving range, uma plataforma com vá-rios boxes onde os jogadores aprimoram suas tacadas.
No país da ginga e da malemolência do celebrado futebol-arte, o golfe é esporte cerebral: o praticante precisa desenvolver disciplina mental e gosto pela repetição obsessiva para aprimorar as tacadas. Honestidade faz parte do jogo. Como não há juiz nem fiscal, seguir as regras é fundamental. Uma etiqueta toda própria determina as roupas e o código de conduta em campo. “O jogador não pode mentir para seus adversários na hora de informar quantas tacadas teve de dar para embocar a bola, por exemplo”, diz Álvaro Almeida. “Quem for pego mentindo fica estigmatizado”, informa Priscillo Diniz, 56 anos, jogador profissional que atualmente ensina na academia Onne Unigolf, a nona de São Paulo, inaugurada há três semanas. O jogo não requer do praticante nem força nem músculos em forma. Havendo carrinho disponível, nem sequer demanda preparo para a caminhada de 6 quilômetros. Também não discrimina por faixa etária – um senhor de 80 anos pode disputar a mesma partida com um rapaz de 20. Paciência é o requisito básico. O psicólogo esportivo Esmerino Rodrigues Júnior fez as contas e avisa: “Dos 270 minutos que dura, em média, uma partida, o golfista gasta apenas oitenta efetivamente dando tacadas. Ele não pode permitir que a ansiedade domine os outros 190”.